terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Reforma da Previdência preocupa agricultores

Uma nota que comprova a venda de dez suínos para um frigorífico de Santa Cruz do Sul, em 1982, é a primeira de milhares guardadas nos talões do produtor rural Almiro Brandt (foto acima). “Grande parte da minha vida está registrada aqui”, diz o morador de Canudos do Vale, no Vale do Taquari. O cuidado com a documentação vislumbra o momento da aposentadoria. Com 58 anos, ele está prestes a se tornar um aposentado. No entanto, nas últimas semanas, o produtor ouve com atenção as notícias sobre a reforma da Previdência e tem dúvidas se conseguirá obter o benefício ao completar 60 anos, amparado pela lei vigente.

Brandt não é o único a ver a reforma com preocupação. O ano de 2017 nasce com uma série de questionamentos sobre como a proposta do governo federal irá impactar no campo. O governo diz que as mudanças são essenciais para garantir a sobrevida do sistema. Entidades ligadas aos produtores rurais alegam que as alterações inviabilizarão o acesso dos contribuintes do campo ao benefício e afetarão a economia dos pequenos municípios, já que em 74% das cidades brasileiras os valores dos benefícios previdenciários superam os recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

A mulher de Almiro, Matilde Brandt, de 59 anos, faz parte de um terço da população de 1,8 mil moradores de Canudos do Vale que recebe benefícios concedidos pela Previdência Social, entre aposentadorias e amparos assistenciais. Dos 589 segurados, 480 (ou 81,5%) são contribuintes do campo, índice muito superior ao do Estado que tem 25% (639 mil) dos beneficiários no meio rural. No país, são 9,2 milhões. Dois pontos geram grandes polêmicas quando o tema é a seguridade no campo. O primeiro diz respeito à idade. Atualmente o homem se aposenta aos 60 anos e a trabalhadora rural aos 55. A reforma propõe que todos, contribuintes urbanos e rurais, passem a acessar o benefício depois dos 65.

Outra preocupação refere-se à contribuição. Hoje, de toda a comercialização da produção, são recolhidos 2,3% (2% vão para a Previdência Social; 0,1% para o Seguro Acidente de Trabalho e 0,2% para o Sistema Nacional de Aprendizagem Rural - Senar). A contribuição pode ser feita de forma coletiva, ou seja, toda a família pode estar inserida em um mesmo bloco de produtor para comprovação das atividades rurais. As novas regras sugerem que a contribuição seja individual, mas ainda não se sabe com que regularidade. “Isso trará problemas seríssimos. Na maioria dos casos, o agricultor não tem uma renda mensal como o assalariado. Nessas condições, é bem provável que a família optará por apenas um membro fazer a contribuição mensal. Por mais que tenhamos evoluído, ainda será o homem que terá preferência de fazer o recolhimento, excluindo a mulher e os jovens da Previdência”, avalia a tesoureira-geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), Elisete Kronbauer Hintz.


O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Alberto Broch, estima que 70% dos trabalhadores não terão condições de contribuir com a Previdência se for instituído o recolhimento mensal. “Não vamos aceitar que isso passe. Como o governo pretende que os trabalhadores façam contribuições regularmente, por exemplo, em regiões do Nordeste onde as secas se estendem por cinco, seis anos?”, questiona. “70% dos trabalhadores rurais brasileiros vão ser jogados para os programas de assistência social se isso vingar”, complementa.

Apesar de ainda não ter sido oficializado, o deputado gaúcho Darcísio Perondi, da base aliada do governo, deve fazer parte da comissão especial que examinará a matéria. Ele é defensor das mudanças e diz que a Previdência ficará “insustentável em 20 anos” se não forem aumentados a idade mínima e os anos de contribuição – de 15 passará para 25 no meio rural. Dados da Anfip mostram que, com as renúncias, desonerações e baixa fiscalização, em 2014, as contribuições previdenciárias do meio rural somaram R$ 7 bilhões, enquanto que os pagamentos de benefícios demandam, em média, R$ 98 bilhões ao ano (22,5% da despesa total do Regime Geral da Previdência). Ainda que o modelo adotado para a seguridade rural não seja autossuficiente, a Anfip garante que o sistema previdenciário teve superávits nos últimos anos. O Ministério da Fazenda anunciou o déficit de R$ 152 bilhões em 2016.

“Está na hora do homem ajudar mais em casa”, diz Perondi

Creditando dados à Previdência Social, Perondi acrescenta que existe uma sonegação na contribuição de 25% e, no mínimo, 30% de fraude nas aposentadorias rurais. “Muita gente que não trabalhou na ‘colônia’, ou trabalhou muito pouco, arruma um atestado e passa. É um sistema justo, mas com problemas sérios de fiscalização”. Sobre a proposta que amplia em 10 anos a idade mínima para a mulher se aposentar, o deputado responde que será preciso uma mudança no comportamento dos homens gaúchos. “Se a mulher tem jornada dupla, acho que está na hora do homem ajudar mais em casa. Na entressafra ele vai jogar carta no clube, enquanto ela fica cozinhando e limpando. O homem tem que sair da comodidade e do seu machismo”. Segundo o parlamentar, a discussão do texto deve se estender até junho, na Câmara dos Deputados.

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