Plantar árvores de citros mais perto umas das outras aumenta a produção das safras iniciais em até 89% em relação aos espaçamentos tradicionais. Os resultados foram registrados em experimentos desenvolvidos pela Embrapa em parceria com a Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB), no interior paulista. O chamado adensamento se revelou extremamente importante para os produtores de São Paulo, onde se localiza o maior polo citrícola do Brasil, pois ajudou a compensar perdas causadas pelo huanglongbing (HLB), considerada a mais severa doença dos citros da atualidade.
Com base nesses resultados, pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) iniciaram uma nova geração de experimentos, com espaçamentos ainda menores, em São Paulo e em outras regiões do País. O objetivo é oferecer alternativas inovadoras e sustentáveis à citricultura, com possibilidade de ampliação dos lucros e redução dos custos de produção.
No momento, estão sendo testados nove arranjos diferentes, que vão do espaçamento 6m x 3m, utilizado no Nordeste, até 4m x 1m, ou seja, saindo de 550 plantas por hectare para 2.500. "Aumentamos cinco vezes a densidade para ver entre os dois extremos onde está o maior retorno de produtividade. Vamos agregar ainda a análise agronômica e de qualidade do fruto. Há mais de 30 anos, não há alteração nessa questão do espaçamento no Norte e no Nordeste do País", conta o pesquisador Eduardo Girardi, coordenador da carteira de pesquisas relacionadas ao HLB dos Citros.
Diante do HLB, que atinge os estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, a prática permite maior competitividade e permanência na atividade para pequenos e médios produtores que possuem até 100 mil pés e representam cerca de 80% dos citricultores em São Paulo, segundo dados do Centro de Conhecimento em Agronegócios da Universidade de São Paulo (Pensa/USP). O uso da técnica ajuda a compensar a redução decorrente da erradicação obrigatória das plantas infectadas com HLB.
Plantios no Nordeste são incluídos na pesquisa
O projeto iniciado em 2014, com duração de quatro anos, estende os experimentos para o Nordeste e Norte, regiões ainda não atingidas pela doença. "Mesmo que em Sergipe, Bahia e Pará não exista o HLB, é interessante já avaliar o ultra-adensamento nessas situações, porque caso a doença entre nessas regiões, o clima e o solo são muito diferentes dos da citricultura paulista. Assim, nos antecipamos ao problema", explica Girardi. Além dos novos experimentos em São Paulo, Paraná e Minas Gerais, foram instaladas quadras experimentais de ultra-adensamento no estado da Bahia: litoral (Tabuleiros Costeiros), semiárido (Curaçá) e Chapada Diamantina (Mucugê). Em Sergipe, há ensaios na estação da Embrapa Tabuleiros Costeiros em Umbaúba. Os experimentos foram replicados no Pará, no município de Capitão Poço, região de alta produção de citros.
Os resultados dos experimentos em Sergipe, por exemplo, são considerados promissores pelo pesquisador da Embrapa Cláudio Leone, especialmente em relação ao bom desenvolvimento agronômico dos materiais plantados em diferentes densidades: "O pomar experimental com quase dois anos tem plantas vigorosas e bom aspecto fitossanitário. Outra relevante constatação é que o experimento está sendo conduzido em sequeiro [sem irrigação] e teremos inferências importantes sobre pomares nessas condições. A partir de quatro ou cinco safras regulares, poderemos indicar com mais segurança características sobre o comportamento das plantas no sistema adensado, proposta inovadora para a citricultura nordestina".
Produção mais de cinco vezes maior
Um dos parceiros mais antigos no desenvolvimento desses estudos é o produtor Henrique Fiorese, com propriedades em Olímpia e Colômbia (SP) que somam 200 hectares de citros. Há cerca de 20 anos, ele começou a adotar a prática do adensamento. "Você tem uma produtividade menor por planta, porém maior por área. A média de produtividade nossa em espaçamentos tradicionais era na faixa de 400 a 500 caixas por hectare. Hoje temos área que chegou a dar 2.800 caixas por hectare. Temos espaçamentos de 6 m x 2 m até 5 m x 2 m. O adensamento é o caminho hoje para a citricultura", afirma Fiorese, que também sofre com o problema do HLB. "A vantagem é que, com mais plantas, você arranca uma e outra automaticamente já ocupa esse espaço."
O pesquisador Eduardo Stuchi, responsável pelo campo avançado de Bebedouro da Embrapa Mandioca e Fruticultura, diz que a fala de Fiorese traduz o raciocínio do pomar adensado: da produção por área, não mais por plantas. "Antigamente se pensava muito em ‘quantas caixas havia por árvore'. Essa é a mudança de conceito: a produtividade é dada pela quantidade de fruta que você consegue colher em determinada área", afirma.
À frente desses estudos na EECB desde o início, Stuchi explica que nas décadas de 1970 e 1980 foram feitos vários experimentos, originalmente na região de Limeira (SP), que registra maior incidência de chuva. Havia a dúvida se na região mais quente, como é o clima do norte do estado, os pomares adensados teriam bom desempenho. Por isso, instalaram, no início da década de 1990, três experimentos na estação, que comprovaram a viabilidade da técnica mesmo em condições de estresse hídrico.
Avaliados em 15 safras, esses experimentos geraram resultados que impressionam. Os ganhos são significativos com o pomar mais adensado, principalmente nas primeiras etapas (ver gráfico). "Chega-se a ter até 89% a mais de produção quando você compara um pomar de 714 plantas por hectare [7m x 2m] contra um pomar de 238 plantas [7m x 6m], nas cinco primeiras safras. A vantagem dos plantios mais adensados se mantém até a décima safra. A partir daí [da 11ª a 15ª safra], verificamos um ‘empate'. Isso ocorreu porque não realizamos podas. Por esse motivo, os pomares mais adensados ficaram prejudicados por terem as plantas muito próximas e, por isso, recebiam menos iluminação. Mesmo assim, na média das 15 safras, a diferença foi de 20% em favor do mais adensado", explica Stuchi.
Aumento do número de podas
A necessidade de podas regulares é considerada um ponto negativo relacionado ao adensamento. De acordo com o consultor Leandro Fukuda, são desvantagens que devem ser contornadas com manejo e estratégias. "Os pomares adensados necessitam ser podados todo ano. Daí vem o grande paradigma da poda, que sempre vai provocar perda de frutos que estão na planta. É difícil para o citricultor compreender que está trabalhando com um sistema com produtividades muito maiores e, para fazer a manutenção, tem de perder de 100 a 150 caixas por hectare, já que quando a poda não é feita surgem problemas graves na condução do pomar", alerta o especialista.
Ele acrescenta que o adensamento veio contribuir para o resultado de viabilidade econômica dos novos projetos de citros. "Com a prática, temos conseguido fazer o payback [retorno financeiro] do projeto pelo menos dois anos antes. Além disso, os patamares de produtividade nos primeiros dez anos são maiores do que nos pomares não adensados. Depois, há a tendência de as produtividades dos adensados e convencionais ficarem mais próximas, mas ainda com vantagem para o adensado", afirma, em consonância com Stuchi.
Outra vantagem apontada por Fukuda é que, no pomar adensado, somente se recomenda replantios até os sete anos. "A partir daí, só erradicamos plantas, o processo inverso dos pomares convencionais. E isso é muito bom por conta da baixa contribuição das replantas que fazemos nos pomares quando estão mais velhos." Ele também ressalta a redução do uso de herbicida, pois, a partir do sexto ano, a aplicação do produto é feita somente em falhas na linha de plantio. "As pulverizações normalmente são feitas com pulverizadores atomizados, aplicando para os dois lados, e o uso de volume de calda é pouco menor", relata.
Combate ao HLB
Os estudos com ultra-adensamento de plantio de citros fazem parte de um conjunto de pesquisas para fazer frente ao HLB, doença para a qual ainda não foram identificadas variedades resistentes. "O objetivo é verificar o impacto que esse ultra-adensamento tem na disseminação da doença, ou seja, se o fato de usar mais plantas por hectare vai fazer com que o HLB se dissemine mais ou menos rapidamente. Existe uma percepção de que se você aumenta a quantidade de plantas por hectare, na medida em que há plantas doentes que serão perdidas, as outras que sobram vão compensar a perda. Por outro lado, talvez a proximidade das plantas facilite a disseminação pelo inseto-vetor. Queremos eliminar essa dúvida", explica Girardi.
Mas uma coisa é certa, segundo o pesquisador: aumentar a produtividade e antecipar a produção, ou seja, ter colheitas comerciais mais cedo, são fundamentais mesmo em um panorama sem o HLB. "Na presença da doença, em que o pomar tem a perspectiva de viver menos tempo, é importante produzir mais em menos tempo. Daí o adensamento apresenta-se como uma ferramenta prática, útil e efetiva para alcançar esse objetivo", observa. Ele diz ainda que a produtividade mínima hoje que se espera para a citricultura seja rentável gira em torno de 900 a 1.000 caixas de laranja (40,8 quilos) por hectare. "Nossa expectativa é, no fim desse projeto, mostrar que o adensamento é uma ferramenta importante de ganho de produtividade e de manejo em uma citricultura com HLB e que pode ser praticado em diversos ambientes e numa intensidade maior do que o setor hoje imagina ser possível", acredita.
O início da prática
O adensamento de plantio em citros foi uma das pesquisas mais importantes que o Centro de Citricultura Sylvio Moreira (CCSM) do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) realizou, pelo seu alcance social e retornos proporcionados aos citricultores, conforme destaca Joaquim Teófilo Sobrinho, engenheiro agrônomo e ex-diretor do CCSM. As pesquisas foram iniciadas em 1970.
"A produtividade média da citricultura não ultrapassava 700 caixas por hectare, antes do uso da nova tecnologia. Com o plantio mais adensado, o produtor começou a plantar 600, 700 ou mais plantas por hectare, dependendo da combinação copa/porta-enxerto [parte inferior que corresponde ao sistema radicular da planta]. Para produzir 1.000 caixas por hectare, bastaria produzir duas caixas por planta ou até menos, dependendo do número de plantas por hectare", salienta Joaquim.
Fonte: Embrapa
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