Foto de Allan Kardec Ramos - Divulgação Embrapa |
Os primeiros frutos de maracujá silvestre BRS Pérola do Cerrado, primeira cultivar de maracujá silvestre lançada pela Embrapa, começam a chegar às mesas dos consumidores do Distrito Federal. Aos sábados, os produtores do Núcleo Rural do Pipiripau, em Planaltina (DF), comercializam a nova variedade em uma banca na Ceasa-DF. Em menos de um mês, foram vendidos entre 40 e 50 quilos do fruto, ao preço de R$ 10 o quilo.
Apesar de pertencer à família dos maracujás, a cultivar BRS Pérola do Cerrado tem tamanho, cor, forma e sabor que pouco lembram o maracujá comercial. O fruto maduro tem coloração verde-claro a amarelo-claro, com listras longitudinais verde-escuras. O peso varia entre 50g e 120g. Por ser muito diferente da que é normalmente encontrada no mercado, a cultivar não compete com as variedades comerciais, podendo ser considerada, de fato, um novo fruto que chega ao consumidor.
"Estamos entrando no mercado paulatinamente. Os produtores estão organizados na Associação, que vai crescendo junto com a BRS Pérola do Cerrado. À medida que tivermos maior produção, poderemos atender um mercado maior", afirma Carlos Daher, presidente da Associação dos Fruticultores Familiares e Produtores de Maracujá do Distrito Federal e Entorno (Aprofama), que reúne cerca de 40 produtores.
Em todo o País, são aproximadamente 150 produtores do BRS Pérola do Cerrado, dos quais 70% estão concentrados no Distrito Federal e Entorno. O restante está principalmente em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Goiás. Cada propriedade tem em média cem plantas e a produtividade estimada é de 20 a 35 toneladas por hectare ao ano.
Embora ainda não tenha uma estimativa da produção, o presidente da Aprofama espera ampliar as ações de mercado com a próxima safra no DF, prevista para agosto. A ideia é introduzir o BRS Pérola do Cerrado na merenda escolar de escolas da rede pública de ensino do DF. Para conhecer a aceitabilidade do fruto e produtos alimentares derivados do novo maracujá, a Emater-DF realizou, em junho deste ano, um teste com estudantes do Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II. O resultado foi amplamente satisfatório: 90% dos alunos aprovaram o docinho (tipo beijinho), 80% o fruto in natura e 55% o iogurte.
O BRS Pérola do Cerrado tem grande potencial para cultivo em sistema orgânico por ser mais resistente a doenças e pragas que o maracujá comercial. Leda Gama, de Sobradinho (DF), foi uma das produtoras que participaram da etapa de validação da variedade e já comercializa os frutos. Uma vez por semana, ela participa de uma feira de orgânicos em Brasília (DF). "Minha expectativa é maravilhosa, e digo que a aceitação é total. Todos que provam, amam", afirma.
Durante cinco anos, Geraldo Magela, extensionista da Emater-DF, acompanhou o trabalho de validação a campo junto aos produtores do DF. Ele acredita que o BRS Pérola do Cerrado vai representar um avanço na cultura do maracujá no Brasil. "É um material rústico e que não precisa de polinização manual. Além de tudo, é muito saboroso. Será um sucesso", aposta.
Aparência x Qualidade
A cultivar de maracujá silvestre BRS Pérola do Cerrado veio para mudar a percepção do consumidor quanto à aparência do fruto, que tem tamanho pequeno e nenhuma semelhança com o maracujá comercial. E com um detalhe inusitado: quanto mais murcho e feio, mais saboroso.
"Vamos precisar mostrar ao consumidor que se trata de outro fruto. Ele não poderá compará-lo com a aparência do maracujá comercial. Além do tamanho e da cor, o BRS Pérola do Cerrado tem um sabor diferenciado. É adocicado, de aroma agradável e de baixa acidez", ressalta Ana Maria Costa, pesquisadora da Embrapa Cerrados (Planaltina, DF) e coordenadora da Rede Passitec - Desenvolvimento tecnológico para uso funcional das passifloras silvestres, que reúne mais de cem pesquisadores de 27 instituições e gera informações sobre o uso e o aproveitamento de passifloras silvestres para o fortalecimento da cadeia produtiva.
Lançado em 2013, o novo maracujá é um produto resultante de quase 20 anos de pesquisas em melhoramento genético convencional, que compreende cruzamentos de acessos da espécie Passiflora setacea coletados em diferentes regiões do Cerrado brasileiro. Trata-se da primeira cultivar de maracujazeiro silvestre desenvolvida pela Embrapa já disponível para os fruticultores e consumidores.
As qualidades nutricionais do BRS Pérola do Cerrado compensam a falta de atrativo visual. Os frutos têm rendimento de polpa superior a 40%. De cor amarelada, a polpa apresenta sabor característico delicado, podendo ser consumida fresca ou em pratos doces ou salgados. O novo maracujá é, por isso, uma opção para o mercado de frutas especiais e de alto valor agregado, principalmente quando produzido em sistemas orgânicos e agroecológicos.
A polpa é rica em minerais importantes para a saúde, como magnésio, ferro, fósforo e zinco. Cem gramas de polpa do fruto, o que equivale a dois copos, contêm de 34% a 39% das necessidades diárias de ferro, 21% a 27% de magnésio, 22% a 32% de fósforo e 23% a 37% de zinco. Em termos comparativos, ela é mais rica que a polpa do maracujá comercial (Passiflora edulis) em enxofre, cálcio, boro e manganês. Além disso, tem maiores teores de fósforo e potássio que a polpa da acerola e igual teor de ferro.
As características químicas da polpa, que contém compostos antioxidantes (compostos fenólicos e aminas bioativas), permitem que o novo maracujá seja usado como alimento funcional. Esses compostos atuam na prevenção de doenças degenerativas e no fortalecimento da resposta imunológica, contribuindo para a manutenção da saúde.
Na BRS Pérola do Cerrado, os compostos fenólicos têm concentração de 50 mg a 77 mg por 100g de polpa, o dobro de compostos fenólicos do maracujá comercial, do cupuaçu e do abacaxi. Em relação às aminas bioativas, o novo maracujá apresenta teores na faixa de 14 mg por 100g de polpa, o que corresponde ao dobro do valor presente no maracujá comercial e a 40 vezes mais que o encontrado numa maçã.
Por fim, uma curiosidade: o maracujá Passiflora setacea é conhecido popularmente como "maracujá do sono", pois a polpa dos frutos, segundo o uso popular, ajudaria a prevenir problemas de insônia. Estudos conduzidos pela Universidade de Brasília com a BRS Pérola do Cerrado têm apontado que o consumo da cultivar pode contribuir para a prevenção de problemas relacionados ao estresse.
Aproveitamento integral do fruto
O trabalho de desenvolvimento tecnológico pela Embrapa e seus parceiros tem viabilizado o uso integral do fruto (polpa, casca e sementes), das folhas, flores e ramas para produção de ingredientes e de matéria-prima para as indústrias de alimentos, condimentos, cosmética, de artesanato e farmacêutica.
A partir da casca da BRS Pérola do Cerrado (e também do maracujá comercial), que tem alto teor de fibras, a Embrapa desenvolveu um ingrediente rico em fibras que pode ser usado na composição de bolos, pães, sorvetes, musses, doces e pratos salgados.
Já a semente pode ser aproveitada, entre outros usos, para a produção de óleo, cuja composição tanto permite o consumo alimentar como o uso cosmético. Trata-se de um óleo muito rico em ômega 6, importante na formação das membranas celulares, principalmente das mitocôndrias, auxiliando também no equilíbrio do colesterol no organismo.
Vantagens para quem planta
Por se tratar de um maracujá silvestre, a cultivar BRS Pérola do Cerrado apresenta alta resistência a pragas e doenças, característica importante para reduzir a aplicação de defensivos agrícolas, o que traz benefícios econômicos, ambientais e ao consumidor. A rusticidade da cultivar tem viabilizado a produção, inclusive, em sistemas orgânicos e agroecológicos.
A produtividade anual – 20 a 35 toneladas por hectare, dependendo do sistema de condução das plantas – é muito superior à da média nacional, cerca de 15 toneladas por hectare ao ano. As condições de cultivo e produção são semelhantes às do maracujazeiro azedo. A produção dos frutos começa a partir dos oito meses de vida da planta, que produz por pelo menos quatro anos, mas pode chegar a 15 com manejo adequado.
"O BRS Pérola do Cerrado produz o ano inteiro sob irrigação, com pico de produção na época das chuvas (dezembro a março) e uma segunda safra entre junho e setembro (período seco). Entre uma safra e outra, a produção diminui, mas não para", garante a pesquisadora Ana Maria Costa.
"Esse maracujá não compete com o azedo (comercial). É um fruto que veio para agregar valor e diversificar os sistemas de produção dos fruticultores", completa o pesquisador Fábio Faleiro, também da Embrapa Cerrados e responsável pelo programa de melhoramento genético do maracujazeiro silvestre da Embrapa. Isso porque a cultivar frutifica nas condições de outono-inverno do Brasil Central, possibilitando a produção na entressafra do maracujá azedo.
A produtora Francisca Inês, do Assentamento Oziel Alves III, em Planaltina (DF), está apostando no BRS Pérola do Cerrado. Há seis meses, ela plantou cem mudas em sistema agroecológico e está esperando por bons resultados. "Por ser rústico, é o ideal para a minha área, que é muito seca. Acredito que produzirá muito bem e que esse maracujá será o pontapé inicial para o meu sucesso", disse. Para a comercialização da sua produção, Francisca está aguardando apenas a certificação do maracujá como produto orgânico.
O diferencial de mercado da cultivar se dá em função da quádrupla aptidão: consumo in natura, processamento industrial, ornamental e funcional. Todas essas características têm despertado o interesse de muitos fruticultores e consumidores, com uma perspectiva de fortalecimento e crescimento da cadeia produtiva.
O processamento industrial está relacionado ao uso da polpa para fabricação de sucos, sorvetes, doces e outros alimentos. A aptidão ornamental se deve às belas flores brancas e à ramificação densa, ideal para paisagismos de grandes áreas, como cercas, pérgulas e muros. Já a aptidão funcional refere-se à qualidade da polpa em termos da presença de nutrientes e compostos que atuam na prevenção de doenças.
Para mais informações sobre o maracujá BRS Pérola do Cerrado, acesse:
Fonte: Embrapa Cerrados
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