terça-feira, 21 de junho de 2016

Dia de Campo do Projeto Biomas Caatinga apresenta alternativas à produção agrossilvopastoril


Tido como um bioma desafiador por suas restrições hídricas, a Caatinga traz em si os recursos necessários para tornar a produção agrícola mais sustentável. É necessário, no entanto, que a pesquisa se torne uma aliada de quem produz na busca por alternativas que promovam maior harmonia entre os sistemas de produção e a preservação ambiental.

Com esse objetivo, em 2010, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) criaram o Projeto Biomas. Na última quinta-feira, dia 16, o projeto promoveu o 1º Dia de Campo na Caatinga, na área experimental da Fazenda Triunfo, propriedade do produtor rural Edson Ribeiro Gomes, no município cearense de Ibaretama, localizado a 143 km de Fortaleza. Produtores rurais, técnicos, representantes de órgãos públicos e pesquisadores conheceram os primeiros resultados dessa experiência.

Para Gustavo Curcio (foto ao lado), coordenador nacional do projeto, o desafio é fazer com que a árvore possam também protagonizar o desenvolvimento das propriedades rurais brasileiras: “A árvore pode e deve ser internalizada na propriedade rural nos três sistemas que existem na propriedade: Área de Preservação Permanente (APP), Área de Reserva Legal (ARL) e a Área de Sistema Produtivo (ASP). Com o projeto, buscamos promover uma consciência coletiva de que as árvores fazem parte desses sistemas com grande potencial de transitividade entre estes”.

A Caatinga é frequentemente associada à seca, pobreza e pouca biodiversidade, mas ao contrário do que se pensa, esse bioma confere valores biológicos e econômicos significativos para o país. A “floresta branca”, como é chamada em tupi-guarani, evita a emissão do gás carbônico (CO2), conserva a água e o solo e é fonte de matérias primas como frutos silvestres, forragem, fibras, e plantas medicinais, entre outras. A principal atividade econômica desenvolvida no ecossistema é a agropecuária.

A perspectiva de conciliar produção agrícola com sustentabilidade foi ressaltada pelo presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (FAEC), Flávio Saboya. “As essências florestais que a Caatinga dispõe são ainda pouco conhecidas por parte dos agricultores. Existe uma essência, obtida a partir do pau-violeta (Dalbergia cearensis Ducke), que foi o maior produto de exploração no período da colonização”.

Presidente do Sindicato Rural de Ibaretama e vice-presidente da FAEC, Carlos Bezerra foi um dos articuladores para instalar o projeto na região. Para o produtor, um dos principais resultados da iniciativa até o momento foi a percepção da importância da árvore para a atividade social e econômica que realizam, além do maior conhecimento sobre as espécies nativas. Bezerra revela que, antes mesmo da realização do dia de campo, a experiência já vinha atraindo o interesse de produtores e empresários locais. “Costumamos promover visitas e trazer técnicos para a área experimental. O plantio do pau-sabiá para a extração de madeira vem chamando bastante nossa atenção”.

Administrador de empresas e produtor rural, Paulo Henrique de Freitas veio do município de Jaguaretama, a 200 km da Fazenda Triunfo, para conhecer as novidades. O agricultor afirma que já adotou algumas medidas para tornar sua propriedade mais sustentável, como a destinação de 20 % do terreno para a constituição de uma reserva ambiental. Produtor de gado, milho e sorgo, Paulo Henrique espera realizar esse trabalho de forma mais “organizada e planejada” a partir das informações obtidas no encontro.

Francisco Almir Frutuoso, presidente do Sindicato Rural do município de Madalena (CE), deixou a Fazenda Triunfo bastante animado com a experiência. Para o pecuarista, que atua na produção de leite, o conhecimento adquirido no Dia de Campo foi “muito positivo”, haja vista que os produtores da região ainda carecem de mais informações sobre o Código Florestal. “Precisamos preservar o que a natureza nos ofereceu sem deixar de lado a produção. As espécies nativas podem ser preservadas e também exploradas do ponto de vista econômico”, comenta.

Recuperar áreas degradadas é o grande desafio da pesquisa - Diversas instituições de pesquisa compõem o Projeto Biomas Caatinga, que busca integrar os conhecimentos gerados de forma sistemática. Os subprojetos dividem-se conforme os sistemas existentes na propriedade: Área de Preservação Permanente (APP), Área de Reserva Legal (ARL), Áreas de Sistemas Produtivos (ASP) e Recuperação de Áreas Degradadas (RAD).

Técnicos do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) produzem algumas das mudas a serem implantadas na área experimental. Espécies nativas como o pau-sabiá, a coronha, o pau-branco e o angico-vermelho foram selecionadas. Dentre seus diversos usos, o replantio destina-se à recuperação da mata ciliar, à remoção da salinidade do solo e ao sombreamento das áreas de produção agrícola.

As técnicas empregadas no plantio das mudas se valem tanto de inovações como o uso do hidrogel - um polímero (plástico) que reduz o uso de água e permite que a hidratação destas ocorra por mais tempo - quanto dos conhecimentos tradicionais, haja vista o uso da bagana da carnaúba como cobertura vegetal e meio de retenção hídrica. Colocada no entorno da cova, além da maior umidade mantida, a palha proporciona maior conforto térmico ao diminuir a incidência direta do calor do sol sobre a planta. Tais medidas têm como objetivo garantir a sobrevivência da planta em seus primeiros meses de vida diante de condições bastante adversas. De acordo com Lúcio Alberto Pereira, pesquisador da Embrapa Semiárido (Petrolina-PE) e coordenador regional do Projeto Biomas Catinga, essa etapa representa um dos principais desafios da produção agrícola. “Passado esse período, a planta a consegue se desenvolver bem porque ela é adaptada a esse clima”, ressalta.

A regeneração das paisagens situadas à margem dos rios da região também é uma preocupação do Projeto Biomas. Identificar quais espécies possuem melhor adaptação aos solos ribeirinhos é o objetivo do estudo de Maria da Penha Gonçalves, doutoranda da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). A pesquisadora afirma, no entanto, que nem sempre é possível recuperar o solo por meio do replantio: “Muitas áreas foram totalmente devastadas. Estudamos diversas alternativas nessa recuperação para além do plantio de mudas em si. Estamos testando técnicas menos onerosas ao produtor, mas que possam atingir os mesmos objetivos, como os poleiros artificiais”.

A recuperação de áreas devastadas pode vir em conjunto com a criação de pequenos ruminantes e o plantio de espécies alimentícias. Por causa disso, o sistema Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) também tem sido usado como uma das estratégias de intervenção no Projeto Biomas Caatinga. Segundo Welinton Fernandes, técnico da Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral-CE) e um dos responsáveis pela implantação da ILPF na Fazenda Triunfo, a intenção é mostrar ao produtor que não é necessário degradar para obter retorno financeiro com sua propriedade. "Embora o manejo incorreto do solo ainda consiga gerar resultados nos dois primeiros anos, a produção cai drasticamente após esse período", comenta.

No sistema ILPF, plantas forrageiras são introduzidas nas áreas de cultivo de forma consorciada com a vegetação natural da Caatinga. A forragem serve como alimento para caprinos e ovinos, além de enriquecer o solo degradado. O plantio de espécies nativas como a jurema-preta, a algaroba, o pau-sabiá e a catingueira permite a recomposição da biodiversidade vegetal e do solo, gerando melhorias na produção e, consequentemente, na renda do produtor. "A rentabilidade pode parecer pequena no início, mas a estabilidade conseguida com o sistema permite ganhos maiores no futuro", explica Welinton Fernandes.


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