Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Genômica para o Melhoramento de Citros (INCT Citros) – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo – pretende transferir para a laranja genes de tangerinas e de outros citros relacionados à resistência a doenças.
Resultado do Projeto Temático “Plataforma genômica aplicada ao melhoramento de citros”, apoiado pela FAPESP por meio de um convênio com o CNPq para o apoio a INCTs no Estado de São Paulo –, o estudo foi apresentado durante o evento “Do básico ao aplicado: apoio da FAPESP na pesquisa em citricultura”, realizado no dia 3 de novembro, no auditório da Fundação.
“Já conseguimos caracterizar vários genes candidatos à resistência a doenças de tangerinas e outros citros e agora estamos tentando transferi-los para a laranja a fim de tentar desenvolver uma planta que seja modificada, mas não transgênica, por meio de técnicas como a cisgenia [transferência de genes de espécies de um mesmo grupo de organismos que se cruzam na natureza]”, disse Marcos Antônio Machado, diretor do Centro de Citricultura “Sylvio Moreira”, do Instituto Agronômico (IAC), onde está sediado o INCT Citros, à Agência FAPESP.
“Solicitaremos licenciamento para a CTNBio [Comissão Técnica Nacional de Biossegurança] para fazer avaliações experimentais”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, a identificação de genes-alvo para aumentar a resistência da laranja a pragas agrícolas foi possível por meio do sequenciamento do genoma de referência de citros.
Concluído em 2014 por um consórcio internacional de pesquisadores dos Estados Unidos, França, Espanha, Itália e Brasil, representado por pesquisadores do IAC e da Embrapa, o projeto foi iniciado em 2003, quatro anos após o sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa – bactéria causadora da doença clorose variegada dos citros (CVC) ou “amarelinho”, que ataca a laranja.
A fim de superar o desafio de sequenciar o genoma da laranja doce (Citrus sinensis L. Osb) – que é extremamente complexo por ser altamente heterozigoto (os alelos de um ou mais genes são diferentes) e com alta frequência de sequências repetidas, o que dificulta sua montagem – os pesquisadores do consórcio optaram por sequenciar um genoma menos complexo e que pudesse ser usado como genoma de referência, ao qual fossem alinhados todos os genomas de citros.
O escolhido foi o genoma da clementina – uma fruta resultante do cruzamento da laranja com a tangerina, que é a base da citricultura espanhola e é haploide (tem metade da carga genética original).
Concluído o sequenciamento do genoma da clementina, os pesquisadores sequenciaram o genoma de mais nove espécies de citros candidatas a parentes da laranja doce para ampliar a base de comparação dentro do grupo e verificar como uma espécie originou outra ao longo da evolução.
Dentre as espécies de citros analisadas foram incluídas a laranja doce Pineapple – uma variedade altamente produtiva, comparada à laranja Pera e extensivamente utilizada na Flórida (Estados Unidos), de onde é originária –, a clementina diploide, a tangerina Ponkan (C. reticulata), mexerica do Rio (C. deliciosa tenore), tangor W. Murcott, laranja azeda Seville, laranja doce Washington Navel, toranja Chandler e toranja Siamesa de baixa acidez.
As análises da comparação dos genomas revelaram que a laranja doce (Citrus sinensis L. Osb) – que é a principal espécie de citros no mundo – não é uma espécie pura.
Seus progenitores são, preponderantemente, toranja (C. máxima) e tangerina Ponkan (C. reticulata), além de outra espécie desconhecida de citro.
“O genoma de referência de citros tem nos ajudado muito a entender porque a tangerina é resistente à CVC e porque alguns grupos parentes de citros são resistentes a quase todas as doenças que atacam essas culturas”, disse Machado.
“Essas variedades de citros podem ser fontes interessantes de genes que podem aumentar a tolerância e resistência a pragas e doenças”, avaliou.
Resistência a doenças
Segundo o pesquisador, graças ao trabalho de produção de mudas em ambiente protegido, iniciado em 1990 por incentivo do Centro de Citricultura “Sylvio Moreira”, somado ao controle de cigarrinhas e a erradicação de pomares velhos, a CVC hoje é uma doença bastante controlada nos laranjais paulistas.
Hoje as doenças que mais ameaçam a produção de laranja no Estado, de acordo com ele, são o greening ou Huanglongbing (HLB), a morte súbita e a pinta preta.
A fim de auxiliar o setor a combater essas doenças, os pesquisadores do Centro têm adotado diferentes abordagens, que incluem o desenvolvimento de variedades de citros mais tolerantes a doenças por melhoramento clássico, biologia molecular, novas estratégias epidemiológicas e práticas de manejo.
Por meio de outro Projeto Temático, também apoiado pela FAPESP, por exemplo, os pesquisadores estão desenvolvendo novas variedades e híbridos de copas e porta-enxertos de citros – resultado do cruzamento de variedades de laranja com tangerina, mexerica ou limão – mais tolerantes à seca e resistentes a doenças.
Os materiais estão em processo de registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e passarão nos próximos meses por um teste em campo.
“Temos um programa, chamado ‘Citricultura Nota 10’, em que fornecemos materiais para os produtores testá-los no campo e, dessa forma, conseguimos avaliar os resultados em termos de produção e qualidade da fruta”, disse Machado.
“A vantagem para o produtor é ter acesso a materiais novos e a preferência para usá-los”, avaliou.
Já por meio do Projeto Genoma da Xylella fastidiosa, também apoiado pela FAPESP, os pesquisadores do Centro desvendaram alguns dos mecanismos da patogenicidade da bactéria causadora do CVC.
A descoberta resultou no desenvolvimento de um novo mecanismo de controle da doença baseado no uso da molécula N-acetilcisteína (NAC), usada hoje na medicina humana para combater infecções crônicas, que foi licenciado pela empresa CiaCamp.
Por meio de um projeto apoiado pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, a startup fundada por uma pesquisadora que realizou pós-doutorado no Centro de Citricultura Sylvio Moreira está desenvolvendo dois produtos à base da molécula e realizando testes em campo para avaliar sua eficácia no combate a doenças que atacam citros.
“Estamos realizando testes com um biofertilizante e uma solução para pulverização à base da molécula tanto em plantas doentes, com CVC, cancro cítrico e greening, além de plantas sadias, e os resultados têm sido bastante promissores”, disse Simone Picchi, diretora da empresa, durante o evento.
“Tanto as plantas doentes, com CVC, e as sadias tratadas com biofertilizante apresentaram maior diâmetro de frutos”, afirmou a pesquisadora.
Também participaram do evento Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação, Arnaldo Jardim, secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Orlando Mello de Castro, coordenador da Agência Paulista de Tecnologia Agropecuária (Apta), e Sérgio Augusto Morais Carbonell, diretor do IAC.
O evento também contou com a participação de representantes da Associação de Produtores de Citros de Mesa e das empresas Givaudan, Citograf Mudas e Citrosuco.
Fonte: Agência FAPESP
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