Em ano de crise, setor foi único a crescer no PIB, com alta de 1,8%.
Coletores conseguem ganhar mais de R$ 4 mil por mês em fazendas.
(Foto: Thayná Cunha/ G1) |
No ano em que o Brasil teve o pior desempenho econômico desde 1990, a agropecuária foi a única boa notícia. Segundo dados divulgados nesta quinta-feira (3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro "encolheu" 3,8% no ano passado, em comparação com 2014. Entre os setores, a agricultura foi o único setor a apresentar crescimento, de 1,8%.
Beneficiada pelo agronegócio, a cidade de Matão, no interior de São Paulo, foi uma das poucas a, em pleno ano de crise, ver o emprego crescer. A cidade ficou em terceiro no país em criação de vagas formais, com 2,1 mil a mais em 2015, graças, principalmente, à produção de laranja e à indústria do suco. O crescimento de 20% nas exportações em 2015 do suco favoreceu ainda mais o bom momento do setor.
Contudo, o greening, doença que afetou 23,57% dos pomares da cidade, ainda é uma grande preocupação e, mesmo com o cenário favorável, a tendência é que os pequenos produtores troquem a produção pela cana-de-açúcar, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Matão.
Safra e doenças
A chuva favoreceu o produto e a safra 2015/2016 que deveria se encerrar neste mês de fevereiro deve se estender por mais dois ou três meses, segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). A previsão para São Paulo e Minas é de 289,92 milhões de caixas de 40,8 quilos, a um custo médio de R$ 15.
A família do citricultor Gláucio Davoglio produz laranja há 40 anos e, nesse tempo, acompanhou as mudanças no setor. Ele diz que os pequenos produtores foram deixando a produção por causa do greening e do cancro cítrico, mas, para quem permaneceu, os resultados são positivos. “O mercado está bom e o preço está bom”, afirmou o empresário, que tem planos para a cultura.
Ele chegou a ter quase 300 mil pés de laranja, mas agora tem 50 mil. “Perdi por doença e pelos preços baixos de antigamente, então fomos mudando para a cana. Vou manter mais uns anos esses pés e estou aumentando a produção em outras regiões, como em Botucatu, porque lá tem menos doença. Não tem greening, não tem cancro. Então estamos migrando para lá, chove mais também”, contou.
A última colheita, segundo Davoglio, acabou há um mês e os 35 trabalhadores contratados já foram dispensados. Devem voltar em junho, quando começa o novo período. “Choveu demais esse ano. Essa laranja, que vai ser colhida em julho ou agosto, já está mais graúda que no ano passado”, disse.
A expectativa do produtor é de que, na próxima safra, cada pé renda quatro caixas de 40,8 kg, cada uma com preço médio de US$ 5. “A próxima colheita vai ser muito boa, os pomares estão carregados”, afirmou otimista.
Segundo Paulo de Rizzo, assessor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o greening está sob controle, mas na época da crise da doença, muitos produtores migraram para a cana. “A laranja é uma cultura muito cara, os venenos são caros e a praga atrapalhou. Muita gente não se animou a arrancar os pés e plantar outros, porque até produzir de novo demora uns três ou quatro anos. E como que ele se mantém enquanto isso?”, lamentou.
Para o presidente do sindicato, Oreste Neves, o pequeno produtor não tem como comprar veneno, que custa mais de R$ 100 por litro. “Hoje não tem nem metade da laranja que tinha há oito anos. Acabou tudo por pragas e pela crise”, disse.
Um levantamento realizado pelo Fundecitrus e apresentado no ano passado mostrou que nos últimos três anos a incidência do greening aumentou quase 160% se comparada com 2012.
O Greening faz com que os frutos não se desenvolvam, fiquem pequenos e caiam dos galhos. Segundo o estudo, 17% das laranjeiras de São Paulo e Minas Gerais têm o amarelão, o que significa que 35 milhões de plantas estão contaminadas. Entre as cidades mais afetadas estão Matão, Casa Branca, Porto Ferreira e Brotas.
Mão de obra vem do Piauí
No processo de produção da laranja, a colheita nos 1.311.600 pés é a que mais abre vagas na cidade, segundo o sindicato do setor. A faixa etária dos contratados varia de 25 a 65 anos. Rizzo explicou que a região de Matão praticamente não tem profissionais para o serviço e que as grandes indústrias vão buscar trabalhadores no Piauí. “A única que não faz isso é a fazenda Cambuhy, porque eles já têm um número bom de trabalhadores da região selecionados”, disse.
Ele contou que, no passado, as indústrias trabalhavam com “testas de ferro”, que trazia os funcionários, mas pagava mal pelo serviço. “Isso custava caro para as indústrias. Houve um movimento muito grande do Ministério do Trabalho, de quatro a cinco anos para cá, que organizou. As empresas contratam o empreiteiro, mas ele não é empresa, é pessoa física. Ele pega os funcionários, lota um ônibus, mas os funcionários são registrados com a indústria. Isso foi muito melhor para o trabalhador também, porque agora eles têm garantia. De um modo geral, melhorou muito para os trabalhadores”, destacou.
Salários chegam a R$ 4 mil para coletores
As indústrias dão equipamentos de segurança, moradia e cesta básica para os trabalhadores. Os que mais se destacam na colheita durante o ano recebem uma quantia em dinheiro. “Esse ano a Citrosuco trouxe cerca de 700 do Piauí, mas a maioria já foi embora. Em média, se for um bom colhedor, tira mais de R$ 4 mil por mês. Para tirar R$ 1,5 mil tem que ser ruim de serviço”, afirmou Rizzo.
Os trabalhadores colhem com o sacolão e depois passam para a caixa. “Eles recebem 49 centavos por caixa. Esse é o preço líquido, fora os encargos, como 13º, férias, fundo de garantia, hora extra”, explicou.
Ainda segundo o assessor, geralmente são selecionados trabalhadores com experiência. “Os empregados que trabalham bem, que têm uma boa produção, estão garantidos para a próxima safra. Até o ano passado, quando tinha seguro desemprego com seis meses, a maioria dos trabalhadores pegavam a safra um ano sim e outro não, e no meio pegavam o seguro desemprego. Agora o tempo mínimo é um ano, então mudou o período de carência. Daí eles voltam para a cidade deles levando tudo que ganharam aqui”, disse.
No ano passado, foram colhidas na cidade 2.623.200 caixas de 40,8 quilos, segundo o Instituto de Economia Agrícola do Estado de São Paulo.
Indústrias e fazendas
As maiores contratações, segundo o sindicato, acontecem na indústria de suco Citrosuco e na fazenda Cambuhy. Ambas foram procuradas pelo G1, mas não informaram dados sobre geração de vagas e expectativas de mercado para o ano.
Fundada em 1963, a Citrosuco se instalou em Matão em 1964. Em 2010, foi firmado acordo de associação entre a Citrovita (Grupo Votorantim) e a Citrosuco (Grupo Fischer), criando a maior produtora mundial de suco de laranja. Atualmente a empresa tem 800 funcionários na cidade.
A fazenda Cambuhy tem 14 mil hectares e iniciou a produção de cítricos em 1975, se destacando por ter grande parte do pomar com sistema de irrigação.
“Quando a seca é grande, influencia, porque o sistema de irrigação é por gotejamento, um cano que passa pelo chão, vai pingando, e mantém a terra úmida. Hoje com as mudanças climáticas não dá para prever direito. Antigamente, em setembro, outubro, já começava a chover, ia até fevereiro ou março. Hoje não, começa a chover por volta de novembro, dezembro, às vezes nem chove", disse Rizzo.
"Fazia muitos anos que não chovia desse jeito, esse ano foi excelente. Quem tem irrigação, ainda consegue salvar um pouco quando não chove, mas tem um custo, de energia elétrica, a grande maioria não tem”, completou.
Exportação
O Brasil é o maior exportador mundial de suco de laranja do mundo, respondendo por aproximadamente 80% do mercado. No país, 60% de todo o suco exportado sai de Matão, e a cidade aparece em 14º no ranking de exportação das 39 regiões do Estado no 1º semestre de 2015, de acordo com levantamento do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).
A remessa de produtos ao exterior dos quatro municípios que compõem a regional do Ciesp Matão cresceu 20% em relação ao mesmo período de 2014, passando de US$ 494,8 milhões de para US$ 593,5 milhões.
A maior parte da exportação do suco foi para a Europa (66%) e Estados Unidos (20%), segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBr).
Fonte: G1/EPTV