O setor de agronegócios no Brasil pode sofrer com eventuais adversidades climáticas, mas está menos sujeito às intempéries da economia. Responsável por mais de 20% do PIB do país, o segmento acena com boas perspectivas de trabalho para executivos neste ano, alimentadas em grande parte pela profissionalização das empresas.
A busca por resultados melhores e a consequente necessidade de mão de obra qualificada - tanto na área corporativa como na operacional - para alcançar essas metas têm se intensificado nos últimos anos. "O objetivo é chegar ao nível de profissionalização das empresas de bens de consumo", afirma Thiago Pimenta, sócio da consultoria Flow Executive Finders. Ele calcula que, em 2014, perto de 30% do resultado operacional da empresa veio do agronegócio, incluindo a infraestrutura e a logística de apoio ao setor.
Caroline Badra, sócia e consultora de recrutamento e seleção para a prática do agronegócio da Asap Recruiters, ressalta que o surgimento de vagas no segmento independe de fatores como eleições, política e situação econômica. "Tem havido na indústria agrícola uma forte entrada de multinacionais, sobretudo de defensores e fertilizantes. Fundos de investimento têm adquirido empresas familiares brasileiras, e muitas se dedicam cada vez mais a preparar a sucessão."
Para Jeffrey Abrahams, sócio-gerente da companhia de recrutamento de executivos Fesa, essa movimentação abre caminho para a contratação de CFOs, controllers e gerentes gerais. "Há também, na área de insumos, muitas fusões e aquisições que aquecem o mercado", afirma.
A procura por executivos, diz Caroline, ganha força no Norte e Nordeste - em Estados como Bahia, Maranhão e Piauí -, e especialmente no Centro-Oeste, que respondeu por cerca de 30% das vagas do setor que a Asap trabalhou no ano passado. Por essa razão, a mobilidade é um quesito importante para os executivos que atuam nesse campo. Como diz Cristiano Soares, diretor financeiro e de relação com investidores da V-Agro, produtora de grãos e fibras, "é preciso estar disposto a sujar a bota".
Formado em direito, Soares começou a carreira como advogado de um grupo de empresas e, em 2004, aproveitou uma oportunidade em uma companhia de biodiesel. "Interessei-me pelo projeto e fui para trabalhar na criação do negócio", diz. No ano seguinte, migrou para o mercado financeiro, mas rapidamente voltou à mesma empresa de biodiesel, dessa vez para a implementação de sua oferta pública de ações (IPO). Entre 2006 e 2007, esteve em uma companhia do setor de shopping centers, e em 2008 chegava pela terceira vez à Brasil Ecodiesel, agora com a missão de participar de sua reestruturação financeira.
Em 2010, a empresa decidiu entrar no negócio de grãos e fibras. Para tanto, incorporou o grupo agroindustrial Maeda e, pouco depois, a Vanguarda Participações. Em 2013, Soares foi convidado pelo CEO da então recém-constituída V-Agro para assumir sua área financeira, com a condição de sair "da zona de conforto e do ar-condicionado". "Um gestor do agronegócio tem de entender os problemas que o administrador da fazenda enfrenta. É fundamental participar ativamente da produção", afirma. Dessa forma, embora esteja alocado em um escritório em São Paulo, o diretor financeiro visita semanalmente as instalações da V-Agro em Nova Mutum, no Mato Grosso.
Em sua opinião, o setor prepara o profissional para situações que exigem jogo de cintura e flexibilidade. "As projeções mudam o tempo todo e a programação requer adaptações de última hora", explica. "Há a interferência do clima, de pragas e de mudanças de preço. Os ciclos são longos, já estamos preparando a safra que será plantada em setembro ao mesmo tempo em que colhemos a de 2014/15."
Em termos de atratividade, Pimenta, da Flow, define o agronegócio como grande chamariz e formador de bons executivos, justamente pelo desafio de trabalhar com recursos que não são controlados pelas companhias. O consultor diz que é comum a migração de profissionais das indústrias de bens de consumo, automobilística e do setor de serviços para o segmento - embora ainda identifique certo preconceito dos que não conhecem bem as oportunidades que o negócio oferece. "Os salários chegam ao nível dos oferecidos pelas empresas de bens de consumo", afirma.
A área de planejamento financeiro é uma das que estão aquecidas no agronegócio, na percepção de Alexandre Kalman, sócio da Hound Consultoria, especializada no recrutamento profissional para os departamentos de finanças e impostos. "Buscam-se gestores com um olhar estratégico para o futuro", diz. Entre janeiro e outubro do ano passado, 30% do faturamento da Hound ficou por conta do agronegócio.
Há menos de um ano na Biosev, companhia do setor sucroalcooleiro, como gerente tributária estratégica, Fernanda Santos de Oliveira conta que pesquisou bastante antes de aceitar uma oferta no setor. Antes na área consultiva tributária, ela diz que foi atraída pelo grande dinamismo das operações ligadas a sua formação. "Trata-se de uma boa oportunidade para o desenvolvimento de minha função. Reporto-me diretamente ao CFO e planejamento é desafiador."
Ela explica, por exemplo, que as contribuições previdenciárias são específicas e, além dos impostos federais, algumas operações incluem impostos estaduais. "Devido às especificidades, quem chega de outras áreas de negócio precisa ser flexível para adquirir a vivência necessária", ressalta Caroline Badra, da Asap.
Aos 38 anos, o engenheiro agrônomo Edson Corbo já acumula 16 de mercado. Atualmente, ele é diretor de agronomia para a América do Sul da NexSteppe, empresa de comercialização de sementes de sorgo. "Sempre fiz tanto a função de gestão de projetos como a de pessoas em áreas técnicas", diz.
Para Corbo, o conhecimento técnico em seu cargo é necessário para conectar profissionais e projetos às necessidades da própria companhia. Ele já havia exercido o papel de gestor em seus empregos anteriores, na Dow AgroSciences e na Monsanto. Além de acumular cursos, o executivo afirma que desenvolveu competências de liderança ao mudar muito de departamento e de localização geográfica de trabalho, o que "dá bagagem para interagir com pessoas".
Corbo vê mais desafios para o executivo no agronegócio brasileiro do que no mercado americano. Isso porque o Brasil é um país tropical que produz nos 12 meses do ano, o que exige muito mais do profissional. "Nos EUA, o inverno é usado apenas para planejamento na área agrícola. Aqui, plantamos e colhemos ao mesmo tempo, em regiões diferentes", afirma.
Apesar de a economia brasileira não estar em um momento favorável, o diretor da NexSteppe destaca que, em termos de necessidade de profissionais, o mercado local continua bastante atrativo. "As empresas vão precisar de pessoas com experiência, que agreguem mais aos projetos". Nessa conjuntura, as companhias também investem em treinamento para os funcionários. "Elas estão preocupadas com retenção", diz.
De olho na busca por aprimoramento em capacidade de gestão por parte dos profissionais do setor, as escolas têm feito investimentos. Na Fundação Dom Cabral (FDC), o programa de gestão em agronegócios surgiu em 2013. Segundo Denise Leite, gerente de projetos dos programas abertos da FDC, ele foi precedido por um núcleo de desenvolvimento do conhecimento em agronegócio, criado em 2012 com o objetivo de levantar temas de gestão com foco no setor.
"A estrutura do curso é modular, para que possa ser conciliado com as atividades do aluno, seja no campo, na cooperativa ou na empresa", explica. São cinco módulos de 14 horas, totalizando 70 horas, e a frequência das aulas é quinzenal. O perfil dos participantes é heterogêneo, de acordo Denise. "Há empresários e gestores de empresas e de propriedades rurais particulares."
Fonte: Valor Econômico