O agricultor Ronaldo Branco planta milho e soja nos 300 hectares de terra que possui na cidade de Castro, no interior do Paraná. Até o ano passado, decisões como o momento de plantar, irrigar ou aplicar defensivos na lavoura eram tomadas com base em anotações que ele mesmo fazia em uma velha caderneta. O sistema, que perdurou por anos, estava longe de ser preciso, mas era o que ele tinha à mão.
Em 2013, lendo uma revista americana de técnicas agrícolas, Branco descobriu o Farmlogs, um aplicativo gratuito para gerenciamento de fazendas desenvolvido em Ann Arbor, no Michigan, no Meio-Oeste dos Estados Unidos. De lá para cá, dados do plantio e da colheita de suas lavouras e as informações atualizadas sobre o preço das commodities na bolsa de Chicago estão no smartphone do agricultor.
“Administrar uma fazenda envolve dezenas de etapas que precisam ser realizadas na hora certa”, diz Branco. “Agora, por exemplo, sei exatamente quando foi irrigado cada pedacinho da fazenda. As decisões passaram a ser mais rápidas e precisas.” A caderneta, obviamente, foi aposentada.
As ferramentas que o agricultor paranaense usa no Farmlogs são apenas parte das funções disponíveis no aplicativo nos Estados Unidos, seu principal mercado. Lá, além das funções de gerenciamento, os produtores rurais podem saber as características do solo e a quantidade exata de chuva que cai em cada parte da propriedade e, assim, programar a irrigação e a aplicação de fertilizantes na medida certa.
O aplicativo faz um cruzamento de informações que vêm de bancos de dados públicos dos Estados Unidos. “A ideia foi ajudar os produtores a mapear seus campos e a entender quais áreas são capazes de produzir mais”, diz Jesse Vollmar, criador do aplicativo. Aos 26 anos, Vollmar é um típico nerd que hoje se encontra aos montes no Vale do Silício.
Ainda adolescente, aprendeu sozinho a programar softwares. Tudo isso enquanto vivia numa fazenda — Vollmar faz parte da quinta geração de produtores do interior do Michigan. Ao se formar em sistema de informação, aos 23 anos de idade, enxergou uma oportunidade justamente naquilo que conhecia: a agricultura.
A startup começou no Vale do Silício e passou pelo programa de aceleração da Y Combinator, que já foi considerada a melhor incubadora de startups do mundo. “O Farmlogs é um exemplo de negócio que parecia ser uma ideia chata, mas tornou-se uma tecnologia que já ajudou os agricultores a ganhar centenas de milhões de dólares em eficiência”, escreveu Sam Altman, presidente da aceleradora, em seu blog.
“Antes, simplesmente plantávamos, irrigávamos e colhíamos sem muito controle do que estava acontecendo”, diz o agricultor Derek Anthofer, que planta soja e milho em sua propriedade de 525 hectares no estado de Iowa. O Farmlogs, com certeza, não foi o primeiro software para o setor agrícola, mas, por ser gratuito, é um dos principais responsáveis pela digitalização do campo.
Criado em 2012, hoje o aplicativo é utilizado por 50 000 produtores rurais. Vollmar estima que a ferramenta ajude a gerenciar 20% do número de fazendas de agricultura intensiva dos Estados Unidos, que são responsáveis por uma receita de 15 bilhões de dólares anuais em produção agrícola. Como não cobra pelo aplicativo, a startup ainda não tem receita proveniente de seu produto.
Todo o dinheiro da empresa veio de investidores, que fizeram três aportes que somam 15 milhões de dólares. No fim de fevereiro, o Farmlogs deverá lançar uma versão premium paga que trará novas funções ainda não divulgadas.
Big data rural
Desde a década de 90, o desenvolvimento da
tecnologia tem ajudado fazendeiros de diferentes partes do mundo a analisar suas terras e a propor diferentes estratégias de cultivo para cada parte. Sensores e sistemas de rastreamento via satélite passaram a ser instalados em máquinas agrícolas com o objetivo de um manejo mais preciso da plantação.
Mas o problema é que esse conhecimento gerou soluções tecnológicas que não conversavam entre si. As informações sobre chuva, por exemplo, não estavam integradas às de solo. A Farmlogs é uma das empresas que estão juntando as pontas.
Nos últimos anos, o avanço da computação criou o que se convencionou chamar de big data, que é a análise de gigantescas quantidades de informação para a geração de novos dados. De acordo com a multinacional americana Monsanto, o potencial do Big Data na agricultura mundial é de 20 bilhões de dólares por ano. É mirando nesses números que a Monsanto tem adquirido várias empresas.
A Climate Corporation era especializada em dados sobre o clima, e a Precision Planting analisava informações captadas em máquinas semeadoras. Agora a Monsanto vende soluções baseadas nas tecnologias desenvolvidas pelas duas empresas. No Brasil, apenas a ferramenta FieldView, que organiza o histórico de dados das propriedades rurais, está disponível.
Por aqui, as fazendas que adotam as mais modernas ferramentas de acompanhamento da produção no campo acabam encomendando soluções sob medida. Isso porque a diversidade das fazendas brasileiras (muitas trabalham ao mesmo tempo com grãos, pecuária e outras culturas) dificulta encontrar um produto de prateleira.
O americano Vollmar, da Farmlogs, planeja expandir o alcance do produto no mercado americano antes de alçar voo para o exterior. Quando o plano de internacionalização for colocado em prática, o Brasil deverá ser um dos primeiros destinos. “O jeito de fazer agricultura no Brasil é muito similar ao dos Estados Unidos”, diz Vollmar.
A adoção de um aplicativo rural por aqui deverá avançar lentamente. Antes de mais nada, falta infraestrutura de comunicação no campo. “Nos Estados Unidos, mesmo em fazendas distantes das áreas urbanas, há cobertura de internet. No Brasil, há conexão, no máximo, na sede da propriedade”, diz Anderson Galvão, da consultoria agrícola Céleres, da cidade mineira de Uberlândia.
Outro problema é que falta precisão nos dados públicos brasileiros. Nos Estados Unidos, os mapas de solo utilizam uma escala de precisão na qual 1 centímetro equivale a 100 metros — no Brasil, essa relação, em média, é de 1 centímetro para cada 50 quilômetros.
Ou seja, enquanto os americanos têm um nível de precisão que equivale a um quarteirão, os brasileiros analisam porções de terra do tamanho de uma cidade de 60 000 habitantes. A estatal Embrapa tem um projeto para aprimorar o mapeamento do solo nacional. “O problema é que falta financiamento”, diz Maria de Lourdes Mendonça Santos, pesquisadora da Embrapa Solos, com sede no Rio de Janeiro. Até lá, a maioria dos agricultores brasileiros continuará tendo de se contentar com uma agricultura sem tanta precisão assim.
Fonte: Revista Exame