Pesquisadores e agricultores estão com dificuldade para controlar o aparecimento de pragas do campo, que já nascem imunes aos venenos.
Um assunto que tem gerado muita preocupação entre pesquisadores e agricultores: está ficando difícil controlar as pragas, doenças e plantas invasoras. O uso excessivo e errado de agrotóxicos e plantas transgênicas faz surgir organismos cada vez mais resistentes.
E a dificuldade de combater esses organismos, que resistem aos remédios e venenos disponíveis no mercado, leva a situações alarmantes. Uma ala inteira de um hospital já chegou a ser isolada, por causa de uma superbactéria. E uma área inteira de lavoura já esteve em vazio sanitário, até o próximo plantio.
A resistência acontece da seguinte maneira: vamos supor que em uma lavoura de soja, exista uma infestação de percevejos. O agricultor vai entrar com uma pulverização de inseticida. A maioria dos percevejos vai morrer. Mas existem entre eles, alguns que são diferentes. Eles têm, lá no seu DNA, o gene da resistência. Esses, vão sobreviver. Depois de várias e várias pulverizações e com a reprodução desses insetos, aqueles percevejos que eram diferentes, passam a ser maioria e aí o produto não vai mais funcionar.
Isso acontece com insetos, fungos, bactérias e plantas invasoras em diversas culturas. E foi o que ocorreu em uma lavoura em Marília, interior de São Paulo.
Seu Célio Tomazinho tentou controlar a praga, aplicou inseticida, mas não teve o resultado esperado: "Antes, qualquer cheiro de produto que você passava, tinha um controle fácil. Hoje, você tem produtos caros e não consegue eficiência na lavoura".
Com a praga fora de controle, ele decidiu abandonar a área: "Essa área tá perdida, 100%. Numa área dessa, de 50 hectares, você pode pensar nuns R$ 90 mil perdidos".
O excesso de produtos químicos é uma das razões da seleção de organismos resistentes. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (SINDIVEG), dos US$ 54,6 bilhões vendidos em agrotóxicos no mundo, em 2015, o Brasil consumiu sozinho US$ 9,6 bilhões. O número representa 17,5% do consumo mundial.
Mais da metade desses produtos, quase 52%, são usados na cultura da soja. O agrônomo Adeney de Freitas Bueno pesquisa a resistência em insetos e defende esse percentual poderia ser bem menor: "O Brasil hoje poderia reduzir, na cultura da soja, em média 50% do uso de inseticida, sem perder em produtividade".
No caso da soja, é o percevejo que traz mais problemas. Adeney explica que a falta de variedade de meios de combate à praga, torna o problema ainda maior: "Pelo pouco número de inseticidas disponíveis no mercado, dificulta para o produtor fazer a rotação com diferentes mecanismos de ação. Ele, muitas vezes, acaba abusando do uso desses produtos e usando demais, seleciona os insetos resistentes. Os inseticidas utilizados, que se deveria ter a média de controle de 90%, talvez até mais, não passa de 60% ou 70%, no máximo".
Variar o inseticida e aplicar menos. Essas duas regras fazem parte do MIP - o Manejo Integrado de Pragas. O MIP existe há muitos anos e consiste em medidas que o produtor deve tomar para monitoramento da lavoura. A partir deste monitoramento, que analisa a quantidade de insetos encontrados por amostragem, é possível determinar se é necessária a pulverização do inseticida.
O agrônomo Nelson Harger, da EMATER/PR explica as vantagens: "O Paraná utiliza, em média 4,8 aplicações. Nas áreas monitoradas, apenas 2,3 aplicações. Então há uma redução pelo menos pela metade da necessidade de inseticida. Se o estado do Paraná inteiro, nos mais 5 milhões de hectares, tivesse aplicado o MIP, nós teríamos uma economia de cerca de cerca de R$ 1 bilhão no controle de pragas".
Seu João Nazima é agricultor antigo. Sabe da existência do MIP, mas abriu mão de usar o pano de batida. Prefere confiar em sua própria experiência: “Pela experiência de vários anos praticamente num usa pano”. Ele diz que até agora não observou nenhum resistência. "O percevejo, eu não vejo resistência nenhuma. Se faz a aplicação, tem efeito".
Ele planta soja BT, a soja transgênica, que possui em seu DNA, o gene do Bacillus Thuringiensis, um inimigo natural da lagarta da soja.
Segundo o agrônomo Adeney, isso aumenta o risco de selecionar insetos resistentes, pois é como se tivesse o inseticida o tempo todo: 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Como prevenção, o agricultor que planta soja BT, tem a recomendação de plantar 20% de soja convencional, numa área chamada de refúgio. O seu João Nazima conta que já faz isso, mas não tem certeza se é a maneira correta: "Talvez não seja o ideal, mas eu peguei a área total de plantio e uns 20% do total plantei num lugar só [a soja convencional]. Acho que não é o certo, mas tem os 20%".
O correto seria plantar no mesmo talhão da soja transgênica, 20% de soja convencional. As duas variedades devem ser semeadas na mesma época e ter ciclos próximos. Assim, a área de soja convencional terá uma população de percevejos vulneráveis à tecnologia BT, que vão cruzar com os percevejos resistentes da área de soja transgênica, gerando lagartas sucetíveis, que serão controladas.
O resultado da tecnologia mal utilizada começa a surgir na lavoura do seu João, onde lagartas mais resistentes já estão aparecendo: "A gente já tem observado isso daí. Então, mesmo sendo BT, a gente faz pelo menos uma aplicação de inseticida pra controlar a lagarta".
Fonte: Globo Rural
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