Frutas, legumes e verduras: a última fronteira de organização do agro
A mudança do entreposto da Ceagesp na capital paulistana vem ocupando espaço crescente na mídia. Discussões sobre o tráfego de caminhões na cidade, o valor da venda, o custo de uma nova estrutura e a especulação imobiliária têm deixado em segundo plano a questão essencial: qual é a real função dos grandes entrepostos de comercialização –as chamadas Ceasas, ou centrais de abastecimento– nos dias de hoje?
As Ceasas brasileiras comercializam 15 milhões de toneladas de FLV (Frutas, Legumes e Verduras) por ano, mas vêm perdendo espaço como canal de distribuição no Brasil e em boa parte do mundo. No embalo da busca por conveniência (praticidade), qualidade e alimentos naturais e saudáveis, 80% das compras de FLV no Brasil são hoje feitas em supermercados, que vêm roubando o espaço das feiras livres, das quitandas e mesmo das Ceasas.
Enquanto as Ceasas oferecem mais de 400 tipos de produtos e variedades, os supermercados médios trabalham com cerca de 30 itens e são bem mais seletivos em termos de produtos ofertados e principalmente de fornecedores.
Diferentemente do pequeno varejo, os supermercados forçam uma intensa concorrência de preços em um sistema que opera com volumes altos e margens apertadas, vitaminado por altas doses de propaganda focada e bem posicionada. Além disso, o canal mostra uma capacidade crescente de coordenação da cadeia produtiva tanto a montante (padrão, seleção, qualidade, transporte e embalagens) como a jusante (entrega em domicilio, por exemplo).
Para sobreviver, mais do que mudar de endereço, como vai acontecer em São Paulo, as Ceasas precisam urgentemente se adaptar aos novos tempos. Infelizmente a valorização da informação e da qualidade tem passado à margem das Ceasas brasileiras. Quase todos os grandes entrepostos brasileiros tornaram-se precários, antiquados e inseguros. Seu modelo baseado em gestão estatal pesada e ineficiente não tem assegurado a geração de bens públicos como o estabelecimento de padrões claros (pesos, medidas e classificação), a difusão de informação transparente sobre preços e origem de produtos e, principalmente, a geração de novas oportunidades que ofereçam um futuro mais promissor para os milhares de produtores, comerciantes e compradores que utilizam o canal.
É hora de pensar seriamente num modelo mais moderno e eficiente de gestão das Ceasas brasileiras e de melhor organização do sistema produtivo de FLVs. Privatização ou concessão privada (como no caso dos aeroportos) são caminhos óbvios a serem trilhados, desde que o sistema resultante assegure a geração dos bens públicos acima citados.
Na Europa, na Ásia e mesmo na América Latina, algumas centrais de abastecimento souberam se reinventar sob o conceito de "polos agroalimentares", focadas na preparação de alimentos frescos para serviços de alimentação, hotéis, restaurantes, cadeias de fast food e até mesmo para os supermercados. Mercados atacadistas ultramodernos em Lima (Peru), Santo Domingo (República Dominicana), Shenzhen e Tianjin (China) conseguiram conectar a oferta nas propriedades rurais com as novas tendências de consumo por meio de infraestruturas modernas e sistemas sofisticados de informação de preços, qualidade e rastreabilidade dos produtos ofertados. O grande entreposto de alimentos de Paris abriga hoje uma incrível incubadora de empresas de agronegócios voltadas para a oferta de alimentos frescos e pré-processados para a cidade.
O amplo acesso à informação e as redes sociais criaram novos canais e possibilidades de escolha. Os consumidores querem saber o valor de cada alimento para a saúde e como, onde e por quem foram produzidos.
Por isso, mais importante que saber para onde irá a Ceagesp paulistana é saber o que ela pretende ser quando se tornar jovem.
Marcos Sawaya Jank:
Especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas. Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 29/10/2016
Altivo Andrade de Almeida Cunha:
Especialista em abastecimento e consultor do escritório regional da FAO para a América Latina e Caribe.
Fonte: Agrolink com informações de assessoria
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