Foto: Joana Souza |
O cupuaçu é um dos principais geradores de resíduos na produção industrial, principalmente pelo volume de sementes descartadas no processo. O aproveitamento desse material pode gerar renda para as famílias e proporcionar benefícios ambientais. Essa é uma das finalidades do Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a Embrapa Acre (Rio Branco) e o projeto Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), visando à integração de esforços para execução de pesquisas de interesse mútuo.
A cooperação vai possibilitar o desenvolvimento de novas pesquisas e potencializar a execução de trabalhos já em andamento na Embrapa, especialmente os estudos na área de tecnologias de alimentos, com o aproveitamento de amêndoas de cupuaçu, iniciados em 2015. "Nessa primeira fase vamos definir as etapas do processo de fermentação e o padrão de qualidade das amêndoas para uso dessa matéria prima na elaboração de produtos alimentícios", explica a pesquisadora Joana Souza, responsável pelo estudo.
De acordo com o pesquisador Jacson Rondinelli, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Acre, além do desenvolvimento de alternativas tecnológicas para aproveitamento de resíduos da produção de frutas, a parceria também contempla estudos com solos, implantação e manejo de Sistemas Agroflorestais (SAFs), definição de técnicas pós-colheita para melhoria da qualidade do fruto e do processo de extração de óleo de bacaba e avaliação dos sistemas produtivos utilizados pelos agricultores do projeto Reca. "A integração de esforços permite atender demandas da comunidade e da pesquisa, com resultados para ambas as partes, além de fortalecer vínculos institucionais", destaca.
Articulação
As pesquisas serão desenvolvidas articuladas às ações do projeto Saram (Sistemas Agroflorestais para a Produção e Recuperação Ambiental na Amazônia), iniciativa executada pela Embrapa que, em linhas gerais, visa disponibilizar tecnologias agroflorestais e indicar modelos de SAFs compatíveis com as condições socioeconômicas e ambientais da região.
Além dos estudos com resíduos industriais para fins alimentícios, já estão em execução atividades de estimativa dos estoques de carbono em diferentes sistemas de uso da terra no Reca, classificação dos solos das propriedades rurais e seleção de modelos de SAFs, para posterior recomendação. Na opinião do pesquisador Tadário Kamel, líder do projeto Saram, a parceria gera oportunidades para o desenvolvimento de pesquisas participativas em área de produção, em articulação também com necessidades dos agricultores, e acelera a obtenção de resultados.
"A geração de tecnologias para melhoria dos sistemas produtivos, a definição de instrumento de planejamento para uso da terra, a formação de multiplicadores de conhecimentos técnicos e a sistematização de informações científicas são alguns dos resultados práticos previstos na cooperação", afirma.
Trabalho compartilhado
As ações de pesquisa para aproveitamento de resíduos agroindustriais do cupuaçu acontecem de forma compartilhada, utilizando matéria prima descartada no processamento de polpas, recolhida semanalmente no projeto Reca. Cerca de 400 quilos de amêndoas de cupuaçu, fermentadas e secas, já estão em fase de análises quanto às modificações e efeitos da fermentação e secagem, no laboratório de tecnologias de alimentos da Embrapa. Os processos de fermentação e secagem ocorreram no Projeto Reca, com supervisão de pesquisadores e técnicos da Embrapa, para verificação dos padrões de qualidade.
Segundo a engenheira de alimentos Scarlett Moura, bolsista da Universidade Federal de Rondônia, instituição que apoia iniciativas de pesquisa no projeto Reca, e responsável pelo acompanhamento das atividades nos cochos e terreiro de secagem, um dos pontos fortes dessa pesquisa é a possibilidade de dar uma finalidade útil para resíduos que antes não tinham destinação. "Esse trabalho é extremamente importante porque atribui maior valor à produção, gera renda para os agricultores e benefícios para o meio ambiente", diz.
Para Alexsandro Santos, presidente do projeto Reca, a parceria vai ajudar os agricultores a vencer o desafio de aumentar a produtividade de frutas, ampliar o processo agroindustrial e conservar o meio ambiente. "Queremos fortalecer o trabalho nas áreas de extrativismo, aproveitando de forma sustentável os recursos naturais como forma de potencializar a renda das famílias. O trabalho compartilhado pode nos ajudar a errar menos no planejamento de nossas atividades e, ao mesmo tempo, resultar em novos conhecimentos também para a pesquisa científica", afirma.
Cupulate
As sementes do cupuaçu correspondem a cerca de 20% do fruto e geralmente são descartadas pelas agroindústrias como resíduo da produção. Esse material, aparentemente sem utilidade, pode se transformar em alimentos nutritivos e saborosos, entre eles o cupulate. Com este objetivo, um projeto aprovado pela Embrapa Acre, previsto para iniciar em julho deste ano, vai possibilitar o desenvolvimento de um equipamento capaz de realizar o processo de remoção da película das amêndoas. A iniciativa será executada em parceria com a Embrapa Instrumentação Agropecuária (São Carlos/SP), Embrapa Clima Temperado (Pelotas/RS), Universidade Federal de Pelotas e Embrapa Amazônia Oriental (Belém/PA).
De sabor e textura semelhantes ao chocolate convencional, o cupulate foi desenvolvido na década de 1980, pela Embrapa Amazônia Oriental, podendo ser apresentado nas versões em barra e pó. Joana Souza explica que as amêndoas de cupuaçu são ricas em lipídios e proteínas e após processadas, para obtenção do produto, resultam em uma composição com características química e nutricional semelhantes à do cacau.
Ainda de acordo com a pesquisadora, as amêndoas possuem teor de gordura equivalente a 58%, média superior ao do cacau, que é de 50,08%. Além disso, a manteiga derivada dessa matéria prima é fonte de ácidos poli-insaturados, substâncias ricas em ômega 3, 6 e 9, e apresenta um ponto de fusão próximo de 30°C, aspecto sólido, macio que se funde rapidamente ao contato com a pele, demonstrando alto poder de absorção e capacidade de hidratação. Tais fatores representam um diferencial de mercado para o produto, especialmente quanto à sua qualidade.
"O aproveitamento integral de um material residual da agroindústria de polpa é uma alternativa eficiente para associações e produtores agregarem valor aos seus produtos, principalmente se considerado o valor nutricional das amêndoas de cupuaçu fermentadas. O trabalho de pesquisa pode ajudar a dar visibilidade comercial a um produto até então fabricado predominantemente de forma artesanal", ressalta a pesquisadora.
Sobre o projeto Reca
Localizado na Vila Nova Califórnia, município de Porto Velho (RO), a 150 quilômetros de Rio Branco, o projeto Reca é uma organização comunitária, composta por agricultores de base familiar, com mais de duas décadas de existência. Pioneiro no cultivo integrado de frutas, se tornou referência em sistemas agroflorestais (Saf´s). As 15 famílias que moram no local cultivam mais de 20 espécies frutíferas, em plantios consorciados, além de atuarem com o extrativismo da castanha-do-brasil e produção de mel, mas o carro chefe da produção é o cupuaçu, a pupunha e o açaí.
Entre os principais produtos agroindustriais fabricados e comercializados pelos agricultores estão doces, licores, geleias, palmito, polpas de frutas e sementes certificadas. A produção agroindustrial é vendida na sede da associação de produtores, localizada no próprio projeto, e para estabelecimentos comerciais de diversos estados.
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