quinta-feira, 10 de março de 2016

Pesquisadores coletam mangaba para acervo do Museu Nacional da UFRJ

Pesquisadores da Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju, SE) fizeram a coleta de amostras de mangaba no campo experimental de Itaporanga d'Ajuda, no litoral sul de Sergipe, para integrar o banco de imagens de estruturas microscópicas de sementes vegetais do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O curador do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) da Mangaba – uma coleção para conservação dos recursos genéticos da espécie – que a Embrapa Tabuleiros Costeiros mantém em Sergipe, o pesquisador Josué Francisco da Silva Junior, passou a última semana de fevereiro em campo selecionando acessos para enviar ao acervo do Museu Nacional.

O objetivo da ação é contribuir para resgatar a história da alimentação do homem pré-histórico no Brasil. O Museu Nacional está montando uma coleção de referência de microvestígios que diferenciam as espécies de vegetais que será, num futuro próximo, a chave para resgatar informações valiosas sobre a alimentação do homem pré-histórico no Brasil. 

Um Acordo de Cooperação firmado entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em junho de 2015 permitirá que o Museu Nacional da UFRJ tenha acesso às amostras de cerca de 100 espécies vegetais conservadas nos bancos ativos de germoplasma (BAG's) de 19 unidades da Embrapa. A ideia é fomentar a realização de estudos que subsidiem pesquisas sobre dieta, domesticação de vegetais e produção de alimentos na pré-história brasileira. 

Amostras
O pesquisador coletou e enviou acessos que representam populações de mangabeiras das Bahia, Pará e Sergipe. Além da mangaba, a Embrapa Tabuleiros Costeiros enviará amostras de coco e jenipapo, cujos recursos genéticos também estão conservados em campos em Sergipe. Josué teve o apoio da colega Ana Veruska Muniz, curadora do BAG do Jenipapo.

"Esse trabalho é de suma importância porque serve de subsídio para a reconstrução de cenários arqueológicos envolvendo a dieta do nosso homem pré-histórico, bem como para se saber desde quando uma fruta, por exemplo, começou a ser utilizada pelo homem como alimento", explica Junior.

De acordo com o pesquisador, o que se sabe sobre a mangaba é que a árvore já era utilizada e o fruto consumido como alimento pelos povos indígenas desde o período anterior à chegada dos exploradores portugueses, mas não existe nenhuma informação sobre o seu uso na pré-história. 

"Estudos antropológicos catalogaram diferentes denominações em línguas distintas para a espécie em diversas regiões do país, sobretudo no Brasil Central. Historiadores e antropólogos também relataram a utilização do látex da mangabeira na confecção de artefatos por diversas tribos de Rondônia ao Maranhão", relata.

Banco genético
Com 253 acessos (amostras de plantas em número suficiente para representar a variação genética de uma população) provenientes de oito estado brasileiros, o BAG da Mangaba foi implementado em 2006, e possui grande variabilidade genética e conserva amostras de algumas populações com enorme vulnerabilidade, por estarem situadas em áreas de intensa especulação imobiliária. 

"Esse material guardado permite a sua conservação e uso em futuros trabalhos de melhoramento genético. Tendo em vista que a mangabeira vem apresentando intensa erosão genética, a conservação no banco permite que genes de importância não sejam perdidos.", afirma Josué.

O banco está situado numa área de restinga do campo da Embrapa. Além da área do BAG, é de responsabilidade da curadoria a conservação in situ (no local de origem da planta) de uma área natural de mangabeira com cerca de 4,5 hectares, localizada dentro da Reserva do Caju, a primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) de âmbito federal da Embrapa.

No Brasil, há outras coleções de mangaba, sendo algumas em Unidades da Embrapa – Embrapa Cerrados (Planaltina, DF), Embrapa Amapá (Macapá, AP) e Embrapa Meio Norte (Teresina, PI) – e outras em universidades e organizações estaduais de pesquisa agropecuária.

Pesquisas
O trabalho da curadoria também contempla projetos de pesquisa e desenvolvimento de conservação da mangabeira envolvendo populações tradicionais de mulheres catadoras de mangaba em diversas regiões do país.

Para conhecer com profundidade toda a problemática em torno da Mangaba em Sergipe e no Brasil, a Embrapa Tabuleiros Costeiros lidera, desde 2003, pesquisas com abordagens metodológicas que combinam as ciências sociais e naturais. 

Em 2003 ocorreu no Brasil a primeira pesquisa sobre o extrativismo da mangaba e as catadoras no Povoado Pontal, em Indiaroba, litoral sergipano. Os pesquisadores Dalva Mota, da Embrapa Amazônia Oriental (Belém, PA), e Josué da Silva Júnior fizeram parte do projeto pioneiro.

Desde então, estudos têm sido promovidos para entender e diagnosticar profundamente a situação das catadoras em Sergipe e outros estados, como o Pará, além de gerar conhecimentos sobre a fruta e suas potencialidades, e a conservação dos seus recursos genéticos. O desenvolvimento de tecnologias sociais capazes de garantir boas condições de vida e trabalho às catadoras, com apoio à mobilização do grupo, é também foco das pesquisas da Embrapa. Os resultados de pesquisa têm ajudado os órgãos públicos na elaboração de políticas sobre que têm beneficiado a espécie e as pessoas que dela sobrevivem há gerações.

Os pesquisadores investiram fortemente no mapeamento de áreas e na tipologia da conservação. Paralelamente, intensificaram o diálogo com os grupos diretamente atingidos. O resultado são pesquisas concluídas e em andamento, publicações importantes, como o ‘Mapa do Extrativismo da Mangaba em Sergipe', lançado em 2010 e com nova edição prevista para o primeiro semestre deste ano (que servirá de base georreferenciada para a criação de uma Reserva Extrativista – Resex – no estado), a ‘Árvore do Conhecimento da Mangaba' (organização das informações e documentos sobre a espécie para navegação e acesso em forma de teia hierarquizada, com visual semelhante ao da copa de uma árvore), o livro ‘A Mangabeira. As Catadoras. O Extrativismo.' e até a primeira dissertação do Norte do Brasil sobre as mulheres extrativistas de mangaba.

A ex-presidente do Movimento das Catadoras de Mangaba (MCM), uma das entidades associativas dessa população tradicional em Sergipe, Patrícia de Jesus, reconhece a importância do trabalho dos pesquisadores para o fortalecimento da sua luta. "A atuação de todos tem sido fundamental para fortalecer o nosso movimento, subsidiar políticas e promover a conservação da mangabeira", afirmou.

A fruta 
A mangaba (Hancornia speciosa) é uma fruta nativa de sabor marcante, cuja árvore é símbolo de Sergipe. É cantada em verso e prosa e apreciada por muitos no Norte e Nordeste, e encanta pelas delícias que se pode obter com sua polpa – geleia, licor, sorvete e suco, que nos deixa com um memorável visgo nos lábios após bebermos.

A mangabeira tem ocorrência nos estados do Cerrado, Caatinga e litoral nordestino, podendo alcançar até 10 metros de altura, com tronco áspero, ramos lisos, avermelhados, com látex branco abundante. Suas folhas são opostas e simples. Suas belas flores alvas e saborosos frutos conferem valor ornamental à espécie, ideal para a arborização urbana e rural.

O fato de apresentar propriedades nutritivas mais elevadas e sabor mais marcante apenas quando cai do pé (chama-se popularmente como "mangaba de caída"), madura, confere-lhe um grande simbolismo e um status de iguaria pelos seus apreciadores.

Mas o outro lado dessa história não é tão belo e poético assim. Para a mangaba chegar aos consumidores, precisa ser colhida, e a realidade de quem colhe não é tão passível de celebração. As comunidades tradicionais extrativistas, na sua maioria formadas por mulheres de baixa renda e pouca escolaridade – autodenominadas catadoras, enfrentam grandes barreiras ao modo de vida que garante o seu sustento. 

Uma situação crescente de destruição dos recursos naturais, intensificação das indústrias imobiliária e do turismo, avanço de monoculturas, como a cana, privatização das áreas e impedimento do acesso às plantas em locais anteriormente de entrada livre são os maiores obstáculos.

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