Eles podem auxiliar no crescimento e desenvolvimento das plantas e também ser fonte de novos antibióticos. Os microrganismos presentes nas plantas, próximos às raízes (rizosfera), no interior (endosfera) ou sobre os tecidos vegetais (filosfera) deverão ser uma ferramenta poderosa para aprimorar o desenvolvimento vegetal além de possuir potencial de aplicação na saúde humana. Essas questões foram debatidas durante o Primeiro Simpósio Plant Microbiome, que reuniu especialistas internacionais de 22 a 24 de fevereiro em Jaguariúna (SP) na sede da Embrapa Meio Ambiente.
Os pesquisadores Penny Hirsch, Tim Mauchline e Ian Clark, do Rothamsted Research, na Inglaterra, vêm desenvolvendo trabalho de metagenômica e metatranscriptômica, para verificar as alterações de práticas agrícolas nas comunidades microbianas e em suas funções. Os cientistas explicaram que os microrganismos desempenham importantes papéis para a manutenção do ecossistema, e têm capacidade de promover o crescimento de plantas, seja pela produção de hormônios vegetais, disponibilização de nutrientes e até mesmo inibição de fitopatógenos, os agentes causadores de doenças em plantas. A pesquisa inglesa é realizada em campos de experimentos que existem desde 1834, que estão entre os mais antigos utilizados pela comunidade científica mundial.
Estudioso dessa linha de pesquisa, Peter Bakker da Utrecht University, na Holanda, demonstrou que algumas espécies de bactérias, como as pertencentes ao gênero Pseudomonas, são capazes de induzir o sistema imune da planta por meio de uma espécie de comunicação entre os microrganismos e a planta infectada. "A planta atacada por um patógeno libera um composto, um tipo de "pedido de socorro", capaz de atrair determinados grupos de microrganismos que auxiliam na defesa", explica o especialista.
Além disso, muitos microrganismos conseguem produzir enzimas e metabólitos capazes de controlar o crescimento de patógenos em placas de Petri em laboratório, úteis à biotecnologia. Alguns desses compostos são antibióticos, que podem ser produzidos por várias actinobactérias presentes no solo ou associados às plantas.
Descoberta de antibióticos
Uma nova proposta apresentada pelo pesquisador Gilles van Wezel, da Leiden University, Holanda, pode ser considerada como uma quebra de paradigma nas estratégias para o descobrimento de novos antibióticos. A técnica usual é a busca massiva na bioprospecção de compostos a partir de amostras ambientais, tais como, plantas, solo e água. Neste método são isolados milhares de microrganismos que, posteriormente, são avaliados.
Wezel propõe o abandono da força bruta na busca por antibióticos pelo uso de "insigths" biológicos e ecológicos, dispensando a triagem de milhares de microrganismos por genes já conhecidos e presentes na natureza. Ele demonstrou como ativar a produção de novos antibióticos pelos microrganismos. A técnica pode ser traduzida como a possibilidade de se acordar genes adormecidos, por indução dirigida, para a produção desses compostos.
O cientista sugeriu a busca por diferentes microrganismos em ambientes pouco explorados, ou seja, os considerados extremos, como desertos, geleiras, entre outros. Wezel acredita que a prospecção nesses ambientes pode levar à descoberta de novos compostos. Ele também demostrou que plantas, quando estressadas, liberam compostos elicitores, que funcionam como um "gatilho" que desencadeiam a produção de antibióticos pelos microrganismos. Uma resposta de defesa química do vegetal que poderia ser aplicada na geração de medicamentos para humanos.
Quando aqueles microrganismos capazes de produzir tais compostos foram cultivados em meio de cultura, juntamente com patógenos ou com alterações induzidas no pH, demonstraram eficiência na produção de antibióticos diferentes dos já conhecidos e em quantidades promissoras. Por meio de técnicas avançadas, será possível determinar, no futuro, quais genes controlam a produção de antibióticos e qual a sua estrutura e composição.
Grandes oportunidades em um microuniverso
Jos Raaijmakers, pesquisador do Instituto Holandês de Ecologia - NIOO-KNAW, afirma que, ao estudar o microbioma de plantas, a ciência pretende responder algumas questões básicas como: quais microrganismos estão presentes na planta, onde se encontram e o que fazem?
Ele explica que existe uma enorme diversidade de microrganismos que ainda é pouco conhecida e os métodos de cultivo para isolamento propiciam a obtenção de somente cerca de 1% da diversidade total, presente em amostras ambientais. A coleta inicial de dados é crucial para responder a primeira questão.
O Simpósio contou com a participação de cerca de 130 inscritos, de 38 universidades e institutos de pesquisas do Brasil, Reino Unido e Holanda. Segundo o chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Meio Ambiente, Rodrigo Mendes, o evento visou a promover os estudos e integrar os cientistas, que estão na fronteira do conhecimento nesse campo de pesquisa. "É importante sabermos os principais grupos de microrganismos que se encontram em determinada amostra, para depois tentarmos identificar possíveis funções que eles desempenham no solo e que possam, de alguma forma, beneficiar a planta", comenta.
Pesquisas sobre o microbioma e as aplicações
A pesquisa de microbiomas foi marcada, nos últimos dez anos, de avanços tecnológicos que revolucionaram técnicas como o sequenciamento genômico em larga escala, que possibilitou o acesso às comunidades microbianas como nunca antes. "O sequenciamento em larga escala pode ser comparado ao grande salto tecnológico propiciado pela invenção do microscópio e, igualmente, pode ser considerado como um marco importante na exploração da microbiologia", ressalta Mendes.
Ainda segundo o chefe de Pesquisa, o estudo do microbioma de plantas é extremamente importante, já que essas informações poderão auxiliar na manipulação dessas comunidades, visando a melhorar o desempenho das plantas, seja quando atacadas por patógenos ou até mesmo para incrementar a produtividade agrícola de modo sustentável.
O chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), Francisco Laranjeira, concorda que esses conhecimentos poderão gerar ativos importantes para a agricultura no futuro. Para ele, propostas para solucionar os atuais desafios da agricultura, tais como produzir mais alimentos em menores áreas, possibilitar a produção em eventos de seca ou a diminuição da dependência de moléculas químicas no campo, por exemplo, surgirão à medida dos avanços no entendimento de como acontecem essas inter-relações.
No entanto, Laranjeira destaca que não existe tecnologia que seja capaz de revolucionar tudo. "Considero cada pesquisa como uma pequena parte de um todo e à medida que as contribuições vão surgindo é que iremos construindo uma agricultura e uma vida melhor," completou.
As pesquisas no Brasil
Pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP) têm participação ativa nos recentes avanços para a elucidação dos mecanismos moleculares entre plantas – patógeno, por meio de estudos em conjunto com o Programa Back to the Roots(de volta às raízes), coordenado por Rodrigo Mendes e por Jos Raajimakers, do Instituto Holandês de Ecologia.
É o caso do pesquisador Miguel Dita, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, atualmente lotado na Embrapa Meio Ambiente, que realiza pesquisas que procuram entender a diversidade funcional do microbiana da bananeira buscando o desenvolvimento de produtos e processos para sua possível aplicação nos sistemas de produção. A ideia é compreender as relações ecológicas entre esses seres e sua interação com a bananeira, buscando identificar microrganismos chaves, supressores de pragas e doenças, proteção contra estresses abióticos como a seca, por exemplo.
As pesquisas não se baseiam na busca de agentes específicos de biocontrole, mas em entender o papel do conjunto. De maneira simultânea, as pesquisas são direcionadas à saúde do solo. Microrganismos novos foram identificados e os testes de caracterização funcional revelaram uma grande diversidade de endofíticos cultiváveis e multifuncionais que habitam as raízes da bananeira. "Acreditamos que exista um grande potencial de desenvolvimento de novos produtos e métodos para melhorar a produtividade na bananeira, de maneira sustentável por meio do manejo do microbioma, tanto da planta quanto do solo," explicou Miguel Dita.
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